sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Crítica: CINE ZÉ SOZINHO


A reconstrução da memória de José Raimundo Cavalcante, o Zé Sozinho do título, é encenada no filme através de dois pontos de vista distintos: o do próprio Zé, que narra em primeira pessoa os encalços que o acompanharam durante toda sua vida de exibidor de filmes, ao mesmo tempo em que ratifica a paixão que sente por essa arte; e o de pessoas que ajudaram a consolidar essa paixão, seja através da presença física nos lugares por onde os filmes eram exibidos ou por meio de pequenos favores que possibilitaram o funcionamento completo de toda a engrenagem. Se essa proposta de abordagem dual teoricamente não dimensiona a personagem de maneira devida, já que o ideal para o espectador seria a compreensão bilateral de suas características pessoais, a colocação da palavra “Cine” antecedendo o nome do protagonista no título do filme por si só justifica o modo com que o diretor Adriano Lima se posiciona em relação ao tema. O conteúdo em questão não é o íntimo de José Raimundo Cavalcante e sua relação com o mundo, mas sim a trajetória de Zé Sozinho e sua dedicação para com o cinema.

Não é à toa que o grande ídolo de Zé Sozinho é outro José, o Mojica Marins, cineasta precursor do cinema de horror no Brasil no final dos anos 50. Além de compartilharem o mesmo prenome, outras duas características essenciais unem os propósitos dos dois realizadores: enquanto Mojica sempre teve seu cinema localizado à margem de toda convenção cinematográfica, travando ao longo de décadas uma verdadeira batalha para filmar e exibir seus filmes, Zé Sozinho percorreu, isento de qualquer auxílio de bonificação, as cidades pequenas do Ceará para levar o cinema a quem jamais teve contato com a magia projetada numa tela grande. Se a relação travada entre os dois Josés e o objeto de afeição que os aproxima é de grande valor para o entendimento da proposta da curta, a ligação se aprofunda quando os paralelos vão além: Zé Sozinho ficou um bom tempo sem condições de exibir seus filmes devido, principalmente, à carência de recursos, vindo a retomar suas atividades há pouco menos de dois anos, graças a um incentivo do governo do estado; enquanto Zé do Caixão conheceu um exílio de 20 anos das telas nacionais, retornando em 2007 em grande estilo numa nova produção cinematográfica, ainda inédita nos cinemas. Duas mentes e duas histórias unidas por uma só paixão.

Se o diretor se coloca ao lado de Zé Sozinho a todo instante, abraçando sua causa e defendendo-a também através da montagem das cenas, que intercalam os depoimentos do personagem central, dos envolvidos e dos saudosos de seu cinema com momentos dos próprios filmes que outrora eram exibidos, a riqueza e a força motivadora de Zé Sozinho são suficientes para manter teso o arco de toda a conversa. E a platéia, que respondeu positivamente às expectativas do diretor Adriano Lima, deleitou-se com quinze minutos de perseverança, bom-humor e o sentimento que está também no âmago do 14° Vitória Cine Vídeo: o amor incondicional pelo cinema.

Samuel Lobo

(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)

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