sábado, 17 de novembro de 2007

Crítica: A CASA DE ALICE


O sonho de uma família feliz sempre existiu no imaginário da classe média brasileira da década de 90: estabilidade econômica, filhos educados, lazer e saúde garantida. É neste contexto que A Casa de Alice – premiado filme de Chico Teixeira – retrata de forma detalhada e sincera a vida de uma família de São Paulo, na qual descobrimos diversos mundos paralelos, cheios de segredos e crises, guiados pelo egoísmo de cada personagem e que nos levam a refletir sobre nossas vidas e famílias enquanto resquícios de uma época turbulenta da qual fazemos parte.

Com um orçamento modesto, a produção do filme conseguiu caracterizar de forma bela e sincera o apartamento em que a família vive, expondo com clareza as características de uma realidade que é pouco tratada pelo cinema nacional e que, se bem trabalhada, pode resultar em ótimas produções independentes.

O nível de identificação com os personagens é tão grande que a impressão que fica é que a história poderia ter acontecido com qualquer um de nós, ao nos depararmos com elementos e situações que fizeram parte da vida da maioria das pessoas: o carro importado do vizinho, o discman dos colegas da escola, as roupas de grife das amigas, a traição, os filhos ociosos, o dia-a-dia pacato, as questões econômicas e o desejo de ascensão social, crenças populares, entre outros conflitos familiares.

A naturalidade das atuações não só convence como nos coloca como personagem indireto da história. A brilhante atuação da protagonista Carla Ribas nos mostra uma mãe de família cansada e entediada, que procura por algo que a faça se sentir viva novamente, como reviver uma paixão da juventude, mas que, além disso, deve cuidar da casa, dos filhos e do marido – um homem frio e distante dentro de casa, mas que mostra seu outro lado fora dela. Os filhos, ociosos e problemáticos, vivem à margem, inertes e impotentes em relação à situação dos pais, como quando éramos crianças e apenas podíamos ver a vida passar diante de nossos olhos e tínhamos as escolhas feitas pelos outros.

O egoísmo do ser humano é o principal tema do filme, o qual o diretor constrói mostrando a visão de cada um dos membros da casa em relação ao que acontece ao redor de si, suas preocupações, anseios, desejos e medos. Somos apresentados também aos amigos e vizinhos da família – que é composta por pai, mãe, três filhos e avó – e é aí que percebemos o quanto a família parece estar afastada da realidade, trancafiada entre as paredes do moralismo, da vergonha, da inveja, da traição e do medo.

A cada cena, descobrimos mais segredos dos personagens, nos deixando cada vez mais ansiosos pela conclusão da história. A fragilidade do ser humano é colocada em evidência com as brigas e discussões entre irmãos e vizinhos. Até a matriarca da família, que é a única que se esforça para manter o lar que está à beira de um colapso, de pé, é fragilizada pela doença e pelo desprezo.

De forma gradual e progressiva, somos levados à epifania do filme – a grande sacada – que nos choca e nos arrebata, ao vermos tudo que já estava condenado a desmoronar, cair de vez, quando seu único pilar que ainda o sustentava é retirado. Os resquícios de esperança que poderiam haver desaparecem e então podemos finalmente voltar a realidade, por mais parecida que esta seja à do filme.

Resta apenas a nós reconhecermos nossos defeitos e dar lugar a um pouco mais de amizade, carinho, sinceridade e respeito ao próximo.

Saulo Puppin Pratti

(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)

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