quarta-feira, 21 de novembro de 2007
"ANDARILHO"
Em uma excelente iniciativa, o 14º Vitória Cine Vídeo, que foi realizado entre os dias 12 e 17 de novembro, dá continuidade a sua programação de lançamentos de longas-metragens inéditos em Vitória.
Alguns filmes foram selecionados pela organização da mostra para exibição gratuita no Cine Metrópolis nas semanas seguintes ao festival.
Nesta quinta-feira, dia 22, às 21 horas será exibido o premiado documentário "Andarilho", do mineiro Cao Guimarães.
O documentário aborda a relação entre o caminhar e o pensar a partir das trajetórias de três andarilhos solitários em estradas de Minas Gerais: enquanto caminham sem destino, Valdemar, Nercino e Paulão estabelecem pontos de vista especiais sobre a existência.
"Andarilho" (80 minutos, 2007) é o quinto longa-metragem do cineasta e artista plástico Cao, e o segundo de sua trilogia da solidão, iniciada com "A Alma do Osso" (2004).
O filme será apresentado em sessão única.
Não percam. Entrada franca.
CONCURSO DE ROTEIRO
A primeira vez que escrevi para cinema foi em colaboração com uma mocinha chamada Virgínia Jorge.
Ela tinha uma idéia muito bacana que acabou se transformando em um curta em Super8mm chamado “De Amor e Bactérias, a Pequena História das Coisas Menores”.
Anos mais tarde essa mesma moça filmou “No Princípio Era o Verbo”, outro filme cheio de boas histórias.
Esse ano, o 9º Concurso de Roteiro Capixaba, que faz parte da programação oficial do Vitória Cine Vídeo, premiou um roteiro dela: "Dia de Sol".
Eu sorri quando soube.
Provavelmente vem mais história boa por aí.
Ana Murta
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Festival Vitória Cine Vídeo
PREMIADOS
O 14º Vitória Cine Vídeo terminou no sábado, dia 17 de novembro.
com a premiação dos melhores vídeos e filmes de curta e média metragem.
Os trabalhos vencedores nas diversas categorias receberam o Troféu Marlin Azul e prêmios em dinheiro.
Confira a lista completa dos premiados no site do festival.
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vFestival Vitória Cine Vídeo
terça-feira, 20 de novembro de 2007
ÚLTIMO TEXTOS PRODUZIDOS NA OFICINA DE CRÍTICA DE CURTA-METRAGEM DO 14º VITÓRIA CINE VÍDEO
A oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”, oferecida este ano pelo Vitória Cine Vídeo, foi realizada com sucesso. Os 15 alunos participantes discutiram diariamente os filmes exibidos na mostra competitiva de curtas-metragens da noite anterior e saíram das aulas com a tarefa de transformar este papo em texto crítico.
É a última leva dessa produção que publicamos a seguir, com todos os autores devidamente identificados. Cada aluno teve total liberdade de escrita, e a própria dinâmica de uma oficina que agrega pessoas de formações diferentes se manifesta nos textos que apresentamos agora, todos eles bastante distintos entre si, e ao mesmo tempo completamente entregues ao exercício do pensamento crítico sobre o cinema – e, especificamente, sobre o cinema de curta-metragem brasileiro atual, sempre tão pouco analisado pela crítica. O mandamento fundamental das nossas aulas foi a aposta no binômio paixão-lucidez (tomado emprestado do grande crítico francês Jean Douchet). E é de amores e idéias que os textos da oficina se nutrem.
Que leitores e realizadores acompanhem a jornada destes novos críticos, aqui no blog do festival, e onde mais eles estiverem.
Rodrigo de Oliveira
(professor da oficina)
Crítica: NOITE DE SEXTA, MANHÃ DE SÁBADO
Quando os sussurros prevalecem e não se pode banalizar a palavra, o elo entre duas pessoas pode ser um telefonema, a visão esperançosa de um sol se pondo, ou se colocando como força unificadora. A contemplação de uma vida e todas as epifanias para embaraçar a vista ao se ouvir um "alô". O amor não formata, libera o coração, na verdade molda as atitudes e vontades, e pode nos levar aos lugares mais inesperados: à mesa de um bar entregue às moscas, às ruas movimentadas de um centro escaldante, à morte por hipotermia aos 20° C, o gelado mórbido da alma em uma praia.
São 15 minutos e algumas esperanças que nos fazem acreditar que todas as dores se resolverão a partir daquele momento. Um "alô". É assim quando as palavras não existem diante daquilo que tanto desejamos, quando as sensações são permeadas por fantasmas, não mais que sombras viventes, quando a solidão é profunda demais e precisamos falar, quando não existem palavras para tanto.
Um casal apaixonado, separado, e ao mesmo tempo conectado por um oceano de incertezas. Denunciado por uma câmera que não se contenta em observar, mas toma para si a responsabilidade de narrar com cumplicidade aquilo que olhos menos atentos não veriam: não há o que falar quando o sol e o mar se transformam em videotape do que se viveu, e o coração, após a voz, quase pára ante à esperança de um reencontro, a vontade de um toque.
O bloco dos corações amargurados leva muita gente para o mesmo mar. Mata pela falta, pelo cansaço, pela desesperança. Leva os que já não podem ou sabem mais o que dizer, que não procuram mais como existir. Talvez encontrassem um alívio nas secas e geladas, quase transparentes imagens e poucas palavras do curta-metragem Noite de Sexta, Manhã de Sábado, do diretor Kléber Mendonça Filho, o homem que provou a universalidade do silêncio como forma de união máxima entre duas pessoas.
Haroldo Lima
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Kleber Mendonça Filho,
MANHÃ DE SÁBADO,
NOITE DE SEXTA
Crítica: IGRREV – IGREJA REVOLUCIONÁRIA DOS CORAÇÕES AMARGURADOS
Que fique bem claro: qualquer semelhança não é mera coincidência. Talvez por isso que o curta Igreja Revolucionária dos Corações Amargurados, de Carlos Magno, não tenha sido o filme mais aplaudido da noite do último dia de competição do 14º VCV. Algumas verdades costumam chocar. Incomodam. Falando de religião então, muitos não querem nem mesmo discutir. Só que o diretor, com a mesma tática religiosa, consegue produzir muita reflexão com aquelas colocadas no filme.
Lavagem cerebral, transe hipnótico. Tudo para explorar, tirar proveito da fé das pessoas. É ácida a crítica aos cultos evangélicos feito pelo curta numa combinação estética primorosa. A cadência com que a montagem foi elaborada produz um efeito de golpe mental como num pesadelo de olhos abertos.
De ficção mesmo o filme tem pouco, ou nada. Talvez a atuação dos atores-pastores (seriam uma coisa só para o diretor?), pois as pessoas que acompanhavam o culto, lotando a Igreja do “Pastor” Carlos Magno, se envolviam com uma crença de verdadeiros “fiéis”. Os ritos de nudez, sangue e bodes utilizados nem parecia incomodar inclusive. A interação era total.
Assistir ao culto, digo, ao curta preparado para ver uma realidade recorrente, pode render palmas dignas de muitos documentários exibidos no festival, só que algumas verdades costumam enfraquecer as amizades. Sorte que o diretor provavelmente se preparou para isso.
Alex Rosa de Andrade
Crítica: NUNCA MAIS VI ÉRICA
A produção capixaba “Nunca mais vi Érica”, de Lizandro Nunes, tinha tudo para ser um dos grandes filmes capixabas. A começar pela escolha do local da filmagem (Rua da Lama, com a galera sentada no Bar do Cochicho), o filme, por alguns instantes, leva o espectador a pensar num clima de saudosismo amoroso entre os personagens. A sensação de um reencontro singelo que, apesar das circunstâncias, gera no espectador a impressão de se estar vendo um filme romântico; parece mostrar que, apesar dos pesares, é sempre bom passar por um (re) encontro.
A história da trama é o reencontro de Érica (Andressa Furletti), com seu antigo namorado Miro (Bento Abreu). Érica, que agora está casada, vai ao encontro de Miro, querendo matar a saudade do passado. Depois de todo o clima de “remake amoroso”, Érica vai atrás de Miro, e o casal transa, como que concretizando toda a intenção do filme. A partir desse ponto começam os devaneios “terrorísticos” da trama. Como dito anteriormente, essa produção tinha tudo para ser uma das melhores até agora produzidas em terras capixabas, se o diretor atentasse para a simplicidade que a trama lhe proporcionava. A transição entre a cena de amor, da interação entre as personagens, é substituída bruscamente por um universo obscuro, suspenso, sem nexo. E digo isso exatamente pela falta de linearidade entre as várias ambiências da trama. A obra, principalmente no início, não deixa margem para um clima sinistro, misterioso. Ao contrário, ela suscita no espectador um clima romântico, saudoso, singelo que, interruptamente, é desvencilhado da trama.
Embora tenha gerado uma euforia na platéia, talvez por ser uma produção capixaba, o filme deixa a desejar quando opta pela falta de coesão entre as ações dos personagens e o enredo proposto a priori na trama. Deixa a desejar principalmente pela forma com que as cenas de suspense chegam ao espectador.
Parafraseando a crítica de Rodrigo de Oliveira ao filme A Fuga: Miro e Érica "mereciam moldura melhor para os seus sonhos", do que medíocres cenas de terror. Mas o cinema prevalece sempre!
Moisés Nascimento
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LIzandro Nunes,
Nunca Mais Vi Érica
sábado, 17 de novembro de 2007
Tatuagens para memoria II
Entro eu no banheiro mais uma vez, e lá estão duas moças conversando sobre os famosos presentes no Festival.
Uma delas então mostra uma de suas tatuagens, e explica que aquele desenho na verdade surgiu quando ela foi ao show do Marilyn Manson no Rio. Conseguiu chegar até a banda e pediu um autógrafo ao baterista. Ele então autografou o nome em seu braço. Ela não lavou e voltou para Vitória. Aqui, foi ao tatuador e reproduziu o desenho.
Que ficou muito bonito por sinal.
E eu fiquei pensando quanta coisa que a gente gosta não fica inscrita na gente.
Eu tatuaria “Stanley Kubrick” em meu braço.
Ana Murta
OS MENINOS DA ILHA
Hoje a noite será exibido o curta "Ele", que tem roteiro, direção e animação de 150 alunos que participaram do Projeto Animação em 2007.
O filme é uma homenagem ao compositor Noel Rosa, com passagens sobre sua infância, seu primeiro contato com a música, seu amor pela boemia e o sucesso nas rádios e no carnaval.
Esses meninos lindos na foto são alguns dos responsáveis pela trilha sonora do filme.
A Orquestra Jovem e a Banda de Congo Mirim da Ilha executam, AO VIVO, a trilha inspirada em sete clássicos de Noel.
Ana Murta
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Noel Rosa,
projeto Animação
TEXTOS PRODUZIDOS NA OFICINA DE CRÍTICA DE CURTA-METRAGEM DO 14º VITÓRIA CINE VÍDEO
A oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”, oferecida este ano pelo Vitória Cine Vídeo, vem sendo realizada desde a última segunda-feira, sempre à tarde, no campus da Universidade Federal do Espírito Santo. Os 15 alunos participantes discutem diariamente os filmes exibidos na mostra competitiva de curtas-metragens da noite anterior e saem das aulas com a tarefa de transformar este papo em texto crítico.
Mais uma leva dessa produção acaba de ficar pronta, e é ela que publicamos a seguir, com todos os autores devidamente identificados. Cada aluno teve total liberdade de escrita, e a própria dinâmica de uma oficina que agrega pessoas de formações diferentes se manifesta nos textos que apresentamos agora, todos eles bastante distintos entre si, e ao mesmo tempo completamente entregues ao exercício do pensamento crítico sobre o cinema – e, especificamente, sobre o cinema de curta-metragem brasileiro atual, sempre tão pouco analisado pela crítica. O mandamento fundamental das nossas aulas tem sido a aposta no binômio paixão-lucidez (tomado emprestado do grande crítico francês Jean Douchet). E é de amores e idéias que os textos abaixo – e os que ainda serão publicados até o fim do festival – se nutrem.
Que leitores e realizadores acompanhem a jornada destes novos críticos sempre por aqui, no blog do festival.
Rodrigo de Oliveira
(professor da oficina)
Crítica: RÉQUIEM
O autor de Réquiem conta a história de dois amigos que estão unidos pela arte e separados em suas crenças e nacionalidades, mas juntos no dia a dia, até que no ano de 1988 o autor convida alguns amigos para a sua festa de aniversário onde o seu grande amigo Leonardo estaria tocando violão.
Em um determinado momento um incidente mudou toda sua trajetória de vida, e na sua angústia, sem saber o que o aguardava, optou pela morte!
Nesta fase difícil de introspecção contou com o seu amigo Leo e à quem dedicou esta obra. O diretor descreve esta historia com fotos, desenhos em preto e branco e música de violão, dando uma seqüência a sua narração a uma homenagem que muitos gostariam de poder fazer a um grande amigo.
Breno Jatobá
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Felipe Duque,
Lourenço Muterelli
Crítica: PIPO PIPA
Como falar do deleite? Transpor em palavras um momento de prazer? A animação Pipo Pipa nos impõe um desafio diante das palavras e nos aquieta no silêncio das ações pausadas e tranqüilas, empregadas pelo ritmo e enredo deste personagem em busca do prazer em um momento de lazer com sua pipa de brinquedo.
A trajetória de Pipo descreve um fluxo de acontecimentos que tocam o imaginário e parece apelar para a criança existente em cada espectador, angariando simpatia, risos e exclamações da platéia.
Através de recursos visuais elementares de constituição bastante simples, cores que se complementam em harmoniosos tons frios e pastéis, o espectador é levado a uma atmosfera descompromissada e atenta para, em seguida, surpreendê-lo com o inverossímil e daí a sensação de deleite, o encantamento indescritível da trama, que conduzem o espectador até o final.
Kelly Tavares
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Marconi Loures,
Pipo Pipa,
Sheila Neumayr
Crítica: CRISÁLIDAS
A animação de Fernando Mendes cria uma atmosfera de elucubração insólita, preenchida por recursos gráficos e planos de ação que se sucedem de maneira quase onírica. Produzem uma estética da ordem do misterioso, do mágico, do encantamento. Um encantamento obscuro que traduz o medo, a dramaticidade da trama, das relações castradoras entre o imaginário infantil e a realidade opressora.
Tal atmosfera é descrita através de gestos e fotografias em tons contrastantes de cinza e deixa como impressão a permanência da penumbra em contraste com ambientações luminosas que elucidam os momentos de sonho e esperança da personagem principal, em contraposição ao clima neo-barroco provocado para expressar e ampliar o caráter dramático das cenas de conflitos entre a menina e o mundo restrito em que é levada a habitar.
A crisálida de Fernando Mendes parece não ganhar asas e condenar-se por uma narrativa que, ao final, não mais pode sustentar-se nos ritmos e recursos visuais em pregados, na medida em que, o sentido da trama, perde-se em meio à ornamentação gráfica e dinâmica das imagens estáticas em seqüência.
Kelly Tavares
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Crisálidas,
Fernando Mendes
Crítica: A CASA DE ALICE
O sonho de uma família feliz sempre existiu no imaginário da classe média brasileira da década de 90: estabilidade econômica, filhos educados, lazer e saúde garantida. É neste contexto que A Casa de Alice – premiado filme de Chico Teixeira – retrata de forma detalhada e sincera a vida de uma família de São Paulo, na qual descobrimos diversos mundos paralelos, cheios de segredos e crises, guiados pelo egoísmo de cada personagem e que nos levam a refletir sobre nossas vidas e famílias enquanto resquícios de uma época turbulenta da qual fazemos parte.
Com um orçamento modesto, a produção do filme conseguiu caracterizar de forma bela e sincera o apartamento em que a família vive, expondo com clareza as características de uma realidade que é pouco tratada pelo cinema nacional e que, se bem trabalhada, pode resultar em ótimas produções independentes.
O nível de identificação com os personagens é tão grande que a impressão que fica é que a história poderia ter acontecido com qualquer um de nós, ao nos depararmos com elementos e situações que fizeram parte da vida da maioria das pessoas: o carro importado do vizinho, o discman dos colegas da escola, as roupas de grife das amigas, a traição, os filhos ociosos, o dia-a-dia pacato, as questões econômicas e o desejo de ascensão social, crenças populares, entre outros conflitos familiares.
A naturalidade das atuações não só convence como nos coloca como personagem indireto da história. A brilhante atuação da protagonista Carla Ribas nos mostra uma mãe de família cansada e entediada, que procura por algo que a faça se sentir viva novamente, como reviver uma paixão da juventude, mas que, além disso, deve cuidar da casa, dos filhos e do marido – um homem frio e distante dentro de casa, mas que mostra seu outro lado fora dela. Os filhos, ociosos e problemáticos, vivem à margem, inertes e impotentes em relação à situação dos pais, como quando éramos crianças e apenas podíamos ver a vida passar diante de nossos olhos e tínhamos as escolhas feitas pelos outros.
O egoísmo do ser humano é o principal tema do filme, o qual o diretor constrói mostrando a visão de cada um dos membros da casa em relação ao que acontece ao redor de si, suas preocupações, anseios, desejos e medos. Somos apresentados também aos amigos e vizinhos da família – que é composta por pai, mãe, três filhos e avó – e é aí que percebemos o quanto a família parece estar afastada da realidade, trancafiada entre as paredes do moralismo, da vergonha, da inveja, da traição e do medo.
A cada cena, descobrimos mais segredos dos personagens, nos deixando cada vez mais ansiosos pela conclusão da história. A fragilidade do ser humano é colocada em evidência com as brigas e discussões entre irmãos e vizinhos. Até a matriarca da família, que é a única que se esforça para manter o lar que está à beira de um colapso, de pé, é fragilizada pela doença e pelo desprezo.
De forma gradual e progressiva, somos levados à epifania do filme – a grande sacada – que nos choca e nos arrebata, ao vermos tudo que já estava condenado a desmoronar, cair de vez, quando seu único pilar que ainda o sustentava é retirado. Os resquícios de esperança que poderiam haver desaparecem e então podemos finalmente voltar a realidade, por mais parecida que esta seja à do filme.
Resta apenas a nós reconhecermos nossos defeitos e dar lugar a um pouco mais de amizade, carinho, sinceridade e respeito ao próximo.
Saulo Puppin Pratti
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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A Casa de Alice,
Chico Teixeira
Crítica: SALIVA (texto 2)
O desejo é como lago translúcido no qual queremos mergulhar de cabeça, sem a menor preocupação com possíveis resultados frustrantes. Esconde-se por trás da névoa do desconhecido, lâmina de vidro embaçado, fazendo aumentar ainda mais nossa curiosidade e imaginação.
Assim acontece com o curta Saliva de Esmir Filho, que, com sutil retoque de poesia, nos retrata a obsessão de uma menina de 12 anos com o seu primeiro beijo. Aliás, a mesma obsessão de todos os adultos que um dia já foram também meninos e meninas.
Diferentes mundos se escondem por trás da chuva que cai torrencialmente, inundando nossos olhos. Mundos os quais, nós humanos, ansiamos por descobrir. A vontade enche-nos a boca de água, toma-nos de assalto, transbordando-nos. Saliva retrata sentimentos tão humanos quanto animais. Trata de instintos primitivos incontroláveis. Reações involuntárias de um corpo em descoberta.
Mistura de incertezas, aversões e vontades criam emoções violentas, vulcão em erupção. O desejo é muito parecido com a fome, imperioso e voluntarioso. É urgência de náufrago, clemência de um condenado à morte. Esmir Filho, com pitadas de um humor quase cruel, consegue resgatar, no espectador, nascentes adormecidas, que, agora, querem correr sem empecilhos, rumo ao oceano.
Meire Rose Cruz
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
Crítica: COMPROMETENDO A ATUAÇÃO
Se o espectador não assistir por completo, ou simplesmente julgar pelo título da obra, certamente não vai emitir um juízo adequado para o novo filme de Bruno Bini, Comprometendo a atuação. O filme mostra um talentoso jogador de futebol (personagem de Jonathan Haagensen), morador da periferia cuiabense, que divide seu tempo entre o treino da equipe, o trabalho no estoque de um supermercado e a assistência a sua linda namorada (personagem de Michelle Valle). Wallace tem a chance de ser convocado por uma grande equipe carioca. Para isso, ele precisa estar preparado, se concentrar no jogo e esquecer sua vida sexual quase “compulsiva”.
Ainda que a temática utilizada seja adocicada, romântica e engraçada (e isso traz um sabor a obra), a trama mostra, na simplicidade das personagens, um retrato quase pitoresco do meio esportivo brasileiro; seja pela vontade do personagem de ser um jogador bem-sucedido, seja pelo prazer de estar sempre indo para cama com a sua namorada. Outra coisa interessante de ser notada é a duplicidade no significado da palavra “atuação”. O técnico chama Wallace na conversa, cobrando rendimento do jogador em campo. Ao mesmo tempo, há uma cobrança da namorada, dizendo que ele precisa deixar de ser mais ou menos na cama. Estes momentos mostram ao espectador que as duas significações inquietam o personagem, na mesma proporção, durante todo o filme.
O sabor de fato do filme não está propriamente na trama, e sim na fotografia e na trilha sonora. A escolha de imagens, os recortes e aproximações, aliadas a uma trilha sonora belíssima, traçam na obra uma linha tênue entre a personalidade, a felicidade, e a devoção do personagem às diversas ações executadas, clima típico da população dos subúrbios brasileiros. A seleção musical, com toda a sua diversidade, dá à obra um caráter brasileiro, partindo da cena particular de Cuiabá-MT.
Moisés Nascimento
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Bruno Bini,
Comprometendo a Atuação
Crítica: ANTES QUE SEJA TARDE
Antes que Seja Tarde não é apenas uma ficção adolescente como essas que vemos em qualquer lugar ou até mesmo na televisão. Aqui, vivemos a experiência de Digo – representado pelo ator Fábio Lucindo que também empresta sua voz para vários personagens de desenhos animados, então não estranhe se perceber alguma semelhança com um “Vai, Pikachu!”. Digo é um rapaz sonhador que tenta lidar com seus sentimentos da melhor maneira possível através de sua fase de pré-emancipação e de estudante pré-vestibular.
A maneira que o filme é dirigido, envolvido na mesma profusão de pensamentos entrecortados por lembranças e sonhos da cabeça de Digo, num ritmo acelerado e quase caótico é a imagem exata do funcionamento da cabeça de um adolescente com suas paixões, dúvidas, angústias e questões filosóficas. Digo tem escolhas difíceis a fazer, mas não sabe como fazê-las – ou não quer fazê-las –, algo que ele aprenderá com a experiência que ele ainda não tem.
Assim, também somos apresentados aos seus amigos, personagens diferentes, mas que invariavelmente acabam tendo as mesmas dificuldades que Digo, como a insegurança.
Mais do que nos contar a sua história, Digo nos faz sentir o que ele sente, ter as dúvidas que ele tem, tudo isso graças à visão que o diretor nos dá através da narração em primeira pessoa, da bela montagem fotografia e da trilha sonora, que preenche de forma exata os espaços deixados como lacunas, momentos de reflexão enquanto anda de bicicleta.
Saulo Puppin Pratti
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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André Queiroz,
Antes Que Seja Tarde
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Tatuagens para Memória
Itinerante: que ou aquele que viaja, que percorre itinerários;
viajante;
Viajante é a Sandra Carla, que trabalhou lá em casa alguns anos atrás.
Me liga hoje e dá notícia de que nos últimos tempos percorreu meio mundo. Fez de tudo um pouco, trabalhou com o que dava, conheceu muita gente, arrumou uns dois namorados, engravidou do 7o filho, e conheceu o cinema.
Viu seu primeiro filme em São Roque do Canaã, dentro do projeto Revelando os Brasis.
“Era o filme de um agricultor que toca concertina. Sabe o que é concertina?” *
“Sei. Mas Sandra, como é que você foi parar lá?”
“De carona”
E na 3a-feira, em Andorinhas, bairro em que mora atualmente, Sandra Carla viu mais filmes dentro do projeto Cine Galpão Itinerante.
Por isso se lembrou de mim, e me ligou. Tá pensando em trabalhar com cinema.
Sandra Carla também fez duas tatuagens. Uma flor e um número 7 “pra lembrar de parar de fazer filho.”.
Eu preciso me tatuar para lembrar de não parar de ouvir histórias e assistir filmes.
* “O Último Tocador” , de Valbert Vago
Ana Murta
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Revelando os Brasis
Crítica: SALIVA
Repugnância e desejo. Esses são apenas dois dos sentimentos nos quais Saliva busca submergir o espectador. O curta-metragem de Esmir Filho cria repulsa com imagens asquerosas, mas, ao mesmo tempo, nos convida a entrar naquele universo tão líquido que chega a mostrar-se sensual.
O primeiro beijo de uma pré-adolescente. Estabelece-se já, a partir dessa pobre síntese da trama, uma idéia que se estenderá nos quinze minutos de filme: o escorrer da infância e a entrada na pré-adolescência - uma fase transitória, que se refletirá na indefinição, na liquidez das cenas. Podemos pensar no uso do papel celofane, por exemplo, seria um significante alegoricamente infantil, que, no entanto, sugeriu charme e sensualidade.
Muitos foram os elementos precisos no sentido de criar o clima perfeito para a narrativa: a chuva, o copo d’água com gelo, o espelho embaçado... As imagens fluidas, turvas, acompanhadas de um som meio ecoado, escorrido, pingado permitem ao espectador ficar sensorialmente muito próximo da história. E é nesse mar de medo, sonho e desejo, que o um quarto de hora do filme se esvai num fluxo intenso e envolvente, nos levando consigo a mergulhar novamente na infância.
Laiz Ariana
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
Crítica: CINE ZÉ SOZINHO
A reconstrução da memória de José Raimundo Cavalcante, o Zé Sozinho do título, é encenada no filme através de dois pontos de vista distintos: o do próprio Zé, que narra em primeira pessoa os encalços que o acompanharam durante toda sua vida de exibidor de filmes, ao mesmo tempo em que ratifica a paixão que sente por essa arte; e o de pessoas que ajudaram a consolidar essa paixão, seja através da presença física nos lugares por onde os filmes eram exibidos ou por meio de pequenos favores que possibilitaram o funcionamento completo de toda a engrenagem. Se essa proposta de abordagem dual teoricamente não dimensiona a personagem de maneira devida, já que o ideal para o espectador seria a compreensão bilateral de suas características pessoais, a colocação da palavra “Cine” antecedendo o nome do protagonista no título do filme por si só justifica o modo com que o diretor Adriano Lima se posiciona em relação ao tema. O conteúdo em questão não é o íntimo de José Raimundo Cavalcante e sua relação com o mundo, mas sim a trajetória de Zé Sozinho e sua dedicação para com o cinema.
Não é à toa que o grande ídolo de Zé Sozinho é outro José, o Mojica Marins, cineasta precursor do cinema de horror no Brasil no final dos anos 50. Além de compartilharem o mesmo prenome, outras duas características essenciais unem os propósitos dos dois realizadores: enquanto Mojica sempre teve seu cinema localizado à margem de toda convenção cinematográfica, travando ao longo de décadas uma verdadeira batalha para filmar e exibir seus filmes, Zé Sozinho percorreu, isento de qualquer auxílio de bonificação, as cidades pequenas do Ceará para levar o cinema a quem jamais teve contato com a magia projetada numa tela grande. Se a relação travada entre os dois Josés e o objeto de afeição que os aproxima é de grande valor para o entendimento da proposta da curta, a ligação se aprofunda quando os paralelos vão além: Zé Sozinho ficou um bom tempo sem condições de exibir seus filmes devido, principalmente, à carência de recursos, vindo a retomar suas atividades há pouco menos de dois anos, graças a um incentivo do governo do estado; enquanto Zé do Caixão conheceu um exílio de 20 anos das telas nacionais, retornando em 2007 em grande estilo numa nova produção cinematográfica, ainda inédita nos cinemas. Duas mentes e duas histórias unidas por uma só paixão.
Se o diretor se coloca ao lado de Zé Sozinho a todo instante, abraçando sua causa e defendendo-a também através da montagem das cenas, que intercalam os depoimentos do personagem central, dos envolvidos e dos saudosos de seu cinema com momentos dos próprios filmes que outrora eram exibidos, a riqueza e a força motivadora de Zé Sozinho são suficientes para manter teso o arco de toda a conversa. E a platéia, que respondeu positivamente às expectativas do diretor Adriano Lima, deleitou-se com quinze minutos de perseverança, bom-humor e o sentimento que está também no âmago do 14° Vitória Cine Vídeo: o amor incondicional pelo cinema.
Samuel Lobo
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Adriano Lima,
Cine Zé Sozinho
Crítica: ESPETO
Uma caricatura da velha história de inveja que termina em um assassinato, esta foi a melhor definição que encontrei para este filme. Nele usa-se o cenário de uma churrascaria rodízio e ainda ferramentas do teatro, como cores e expressões fortes, para contar uma paródia em que o personagem principal faz o que acha ser necessário para conseguir o que deseja, inclusive matar um colega de trabalho. Na primeira metade do curta, percebe-se claramente que o Lingüiça se sente inferiorizado, desprezado, ilustrado nas repetidas vezes em que recusam o seu espeto para pedir um pedaço de picanha.
O interessante da história é que todos nós sempre temos alguma coisa que consideramos muito importantes, e ainda assim existem pessoas que nos negam essa consideração, como aconteceu com o Lingüiça. Isso nos provoca muito inveja, e é fato que a inveja mata.
Infelizmente os diretores não souberem como fazer essa caricaturização. Algumas cenas ficaram sem sentido e exageradas, como o momento do devaneio do personagem principal no meio do casamento. Assim o filme tornou-se um tanto enjoado de assistir, e as atuações forçadas de alguns personagens também não ajudaram. Contudo alguns pedaços salvam o curta com boas piadas sutis, afinal qual o sentido de uma mulher “fofa” ir numa churrascaria se esta de dieta ou o que diacho faz um cego numa mesa onde só tem uma boneca? Existem, é claro, coisas mais engraçadas que isso no filme, momentos em que até consegui rir bastante, mas não irei estragar ainda mais o filme para aquele que não foi desencorajado pela minha opinião.
Janaina Scal
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Espeto,
Guilherme Marback,
Sara Silveira
Crítica: ESCONDE-ESCONDE
Dizem que quem procura, acaba sempre encontrando. Mesmo que não seja exatamente o que estava procurando. Mesmo que seja algo totalmente inverso do esperado. Mesmo que seja a constatação de que, apesar de encontrar alguma coisa, a procura nunca acaba. O curta-metragem de Álvaro Furloni consegue, para além do aspecto imaginário/ficcional do cinema, confundir-nos ainda mais na tentativa, quase inútil, de separar realidade e imaginação.
Um homem idoso, Amaro, relaciona-se com as imagens de sua mulher e seu filho, ambos mortos fisicamente, mas renascidos por sua memória. Com a cumplicidade que apenas o cinema pode oferecer, essas imagens ganham vida, movimento e participação nesse seu mundo vazio e melancólico.
“Não estrague a brincadeira”, é o que diz sua mulher Regina ao brincar de esconde-esconde com o filho, Marcos. É também o que parece nos dizer esse curta-metragem, ao nos incluir nesse seu jogo/trama. Está em nossas mãos manter as coisas como estão. Na penumbra de sua velhice, Amaro, nos revela as perturbações de sua mente enfraquecida e transtornada, que mistura passado e presente, lembranças e esquecimentos. Um mundo que, apesar de ser criado por ele, agora também nos pertence.
Vemos aquilo que queremos ver. Pois, afinal, o que mais impregna nosso olhar além de lembranças, memórias seletivas e saudades? A velhice é uma ponte a qual todos aqueles que não morrem antes haverão de atravessar. Fato tão óbvio como a matemática que o porteiro do prédio ensina a seu colega de trabalho, o faxineiro. Dois mais dois será sempre igual a quatro. Sempre mesmo?
Furloni parece questionar a realidade com esse curta. Parece também colocar o próprio cinema em questão na medida em que revela aquilo que tenta, desesperadamente, esconder. A fala de Regina no parque “... é que às vezes eu me lembro...”, lança-nos em direção ao abismo da contradição real-imaginário.
Nesse sentido, o jogo do esconde-esconde fica ainda mais emocionante quando podemos acrescentar uma palavra ao seu nome, resolvendo assim o quebra-cabeça que nos propõe: esconde-esconde e revela. Assim como faz o cinema.
Meire Rose Cruz
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Álvaro Furloni,
Esconde-Esconde
Dercy
Ontem foi dia de homenagem.
Casa lotada, inquietação no ar... chega Dercy Gonçalves.
Vestindo paetês vermelhos, ela entra triunfal distribuindo beijos e posando para fotos.
O público do festival, que naturalmente já tem uma tendência a interagir com artistas e obras, vai ao delírio!
Dercy discursa com a tão famosa irreverência.
Muito palavrão, muita risada, muito trabalho em filmes, novelas, circos, teatros e cabarés.
Inacreditáveis 100 anos de vida, e de desbocada lucidez.
Ana Murta
Público
Um festival de cinema é composto de :
Planos e planos, sonhos e roteiros, luz, fotografia e vontades.
Idéias e enquadramentos, críticas, preços e opiniões.
Finalizações e reclamações, críticos, projetos e montagens.
Exibições e desilusões, cineastas, falar mal dos outros e cinema.
E assistindo a tudo tem o público.
Ana Murta
Público II – A Nova Geração
E falando em público, o que pode ser mais precioso do que uma criança descobrindo o cinema ?
O exato momento em que seus olhos pouco adaptados ao escuro, brilham diante da imagem em grande proporção.
Nasce uma nova geração de público para o cinema.
Todo ano acontece o Festivalzinho.
Podia acontecer o Festivalzinho o ano todo.
Porque em nosso cinema brazuca faltam dinheiro, técnicos, críticos, investimentos, formação, e acima de tudo falta PLATÉIA.
Ana Murta
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formação de platéia para cinema
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
PRIMEIROS TEXTOS PRODUZIDOS NA OFICINA DE CRÍTICA DE CURTA-METRAGEM DO 14º VITÓRIA CINE VÍDEO
A oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”, oferecida este ano pelo Vitória Cine Vídeo, vem sendo realizada desde a última segunda-feira, sempre à tarde, no campus da Universidade Federal do Espírito Santo. Os 15 alunos participantes discutem diariamente os filmes exibidos na mostra competitiva de curtas-metragens da noite anterior e saem das aulas com a tarefa de transformar este papo em texto crítico. A primeira leva dessa produção acaba de ficar pronta, e é ela que publicamos a seguir, com todos os autores devidamente identificados. Cada aluno teve total liberdade de escrita, e a própria dinâmica de uma oficina que agrega pessoas de formações diferentes se manifesta nos textos que apresentamos agora, todos eles bastante distintos entre si, e ao mesmo tempo completamente entregues ao exercício do pensamento crítico sobre o cinema – e, especificamente, sobre o cinema de curta-metragem brasileiro atual, sempre tão pouco analisado pela crítica. O mandamento fundamental das nossas aulas tem sido a aposta no binômio paixão-lucidez (tomado emprestado do grande crítico francês Jean Douchet). E é de amores e idéias que os textos abaixo – e os que ainda serão publicados até o fim do festival – se nutrem.
Que leitores e realizadores acompanhem a jornada destes novos críticos sempre por aqui, no blog do festival.
Rodrigo de Oliveira
(professor da oficina)
Crítica: PIXINGUINHA E A VELHA GUARDA DO SAMBA
Quando exibido na noite de abertura do 14° Vitória Cine Vídeo, o curta-metragem Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba, de Thomaz Farkas e Ricardo Dias foi aplaudido com particular entusiasmo pela platéia que lotou o Teatro Glória. As imagens do sambista e sua trupe numa animada roda de samba tocando e dançando provocaram reações exaltadas por parte do público, já que além de exibirem toda a simpatia e a sintonia do grupo enquanto unidade, estas são também o único registro em movimento do conjunto em ação. Encontradas por acaso pelo fotógrafo e documentarista Thomaz Farkas em seus arquivos pessoais, as imagens funcionam como mote principal para o desenvolvimento narrativo do curta, que tem como função primordial evidenciar a importância desse achado e, a partir disso, notificar a relação passional de Farkas para com seu tesouro. Usando uma abordagem formal e de fácil assimilação, o cineasta inicia o curta caracterizando sua personagem central em seu ambiente cotidiano, para, no momento posterior, servir sua câmera a favor do relato que ele tem a nos fazer: como aconteceu e qual o significado do documento filmado num simples tripé no Parque do Ibirapuera em 1954. Embora haja um contraste no tratamento dado aos dois pólos que movem o filme – o testemunho de Farkas e a reprodução do registro visual -, marcado pela distância com que o cineasta retrata seu documentado e o contraponto emocional que este faz ao descrever o ato de captura do momento em questão, o curta se mostra bem-sucedido ao homenagear simultaneamente duas figuras de notabilidade da cultura nacional. E o privilégio de assistir aos gracejos de João da Baiana, Donga e vários outros músicos comandados pelo mestre Pixinguinha, é o que, sem dúvida, justifica a recepção calorosa que o curta encontra por todas as salas onde é exibido.
Samuel Lobo
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba
Crítica: O LOBINHO NUNCA MENTE (texto 1)
O que faríamos se nos restasse apenas um instante após o outro? O que poderia nos intrigar mais que a morte, o tempo, a dúvida? A dor do outro posta à prova como nossa dor? A figura do lobinho, nesta narrativa, torna-se emblemática, na medida em que personifica aqueles valores que se deseja por à prova e só conhecendo um lobinho se pode ter idéia da dimensão da obra.
Mas, ainda que não tenhamos conhecido nenhum escoteiro, o curta de Ian SBF consegue instigar em nós sentimentos de repulsa e compaixão. Somos colocamos numa profunda identificação com o personagem, a começar pela proximidade e instabilidade da câmera e, simultaneamente, por suas reflexões que revelam a fragilidade da vida entre o tempo e a morte. Exprime não apenas do personagem, mas de nós mesmos a idéia do que representa “ser humano”. Revelando mazelas, fragilidades e desesperanças.
A luz incômoda, opaca e sem contrastes, ressalta o isolamento e o abandono em que o personagem é lançado, na obscuridade dramática do insosso. O sentido, aparentemente negativo, que se revela com o desenrolar dos fatos e final cortante, deixa simbolicamente implícita a imanência da morte, contida em cada instante, conferindo à trama um sentido tragicômico inerente também à vida e a arte. Negar isto à ficção seria negar sua capacidade de renascer a cada ato criador, seria negar esta possibilidade ao próprio espectador.
Aqui, o humano assume dimensões limítrofes entre o apodrecimento implícito a todo ser vivente e o valor inerente a tudo que se move, respira e surpreende por seu ímpeto de ser. Perversa não é a imagem projetada sobre a tela, desvelando a ficção perturbadora de caráter ambíguo, e sim a castração do ato criador que, neste caso, ao apagar das luzes, revela quanta força pode haver em um pensamento, em uma manifestação enquanto houver vida, ainda que esmagada, exangue, contida e inerte.
Kelly Tavares
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Ian SBF,
O Lobinho Nunca Mente
Crítica: O LOBINHO NUNCA MENTE (texto 2)
O lobinho talvez não minta. Mas o cinema, ao contrário, mente. Descaradamente. Mente na medida em que nos impõe (?) uma verdade, ou melhor: a sua (do autor) versão dos fatos a seu bel prazer. Na medida em que direciona o fluxo dos acontecimentos e nos guia, através de outras (infinitas) possibilidades, a uma única saída: a sua vontade. Mente na medida em que nos faz acreditar que o absurdo (!) é verossímil e o improvável, fato.
O curta-metragem desse carioca, que parece ter bebido em águas kafkanianas, não apenas mente. Apela por nossa boa vontade, por nosso crédito, nossa confiança. A autoridade com que o narrador/personagem/autor pretende saber o que se passa na mente de um sujeito prestes a morrer é quase assombrosa. Tem ecos de ficção científica. No futuro, maquininhas serão capazes de ler pensamentos.
Mas afinal, de quem é essa mente/narração que orienta dois olhares (personagem e câmera/autor) a nos exibir o mundo, material/estático, à sua volta? Olhares que contrapõem a imobilidade física de um corpo humano acidentado e das coisas inanimadas ao redor, ao movimento da câmera/olho.
Uma mente narradora direciona olhares que descobrem, e nos revelam um mundo. Uma super-consciência reina num corpo semi-morto enquanto tenta fazer-nos acreditar que a vida parece existir além de si mesma, assim como nas coisas inanimadas.
Essa consciência é a mesma voz que grita desesperadamente por socorro, absolvição, perdão. A voz de um moribundo que, com tempo mais que suficiente para relembrar toda a sua vida (o que diante do fato implacável de sua situação, não faz a menor diferença), oscila entre a possibilidade de sua morte e as preocupações e apegos com o mundo dos vivos.
Mas é para nós, espectadores e juízes, que ele revela seus segredos mais sórdidos. Não importa que não sejamos capazes de salvar o seu corpo físico. Importa somente que salvemos sua consciência/alma. Que a possamos perdoar, simpatizarmo-nos com ela. Afinal, confessar o crime sempre diminui a pena/indiferença.
Piscadas em Código Morse logo ao início, pedem socorro enquanto parecem marcar o tempo. Três dias, nove minutos e quarenta segundos, um segundo. A efemeridade de uma maçã que apodrece é a mesma de uma vida que se esvai. Aliás, a pergunta é inquietante: será que a maçã mordida sabe que está apodrecendo? Para o tempo, essa consciência não importa. Para o cinema, sim.
Esse curta parece afirmar que o cinema ultrapassa a vida e faz da consciência uma ponte para vencer a morte, a escuridão. O cinema continuará ecoando para além de uma vida que se extingue, na medida em que alguém seja capaz de tomar partido, absolvendo-o ou não, de sua causa/julgamento.
Meire Rose Cruz
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
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Ian SBF,
O Lobinho Nunca Mente
Crítica: Paralelos
A trama do filme relata, sob a ótica de uma família, o reflexo do fim da passagem do trem que atravessava o Pantanal. O conflito entre ficar na cidade ou ir embora, a mudança da realidade do lugar e outros aspectos são abordados em Paralelos, tendo como visão central a vida de um menino de dez anos.
O curta-metragem de Alexandre Basso põe o espectador em constante aflição, visto que a fotografia do trilho é sempre sob perspectiva linear, nos dando a sensação, ao mesmo tempo de esperança, já que não se sabe o que está além do “encontro das paralelas” ao final da imagem, de inatingibilidade e de falta de perspectivas, reforçando o distanciamento da “coisa buscada” (no caso metafórico, o trem). Metafórico porque, na verdade, a busca não era simplesmente do objeto “trem”. Este carregava toda uma subjetividade para Pedro e seu pai, representando a felicidade, a prosperidade da família.
Destarte, o menino, que diz querer ficar naquela cidade, sai em busca do trem. Apesar do aparente paradoxo, a frase do pai - “existem dois caminhos: o de ida e o de volta” - fica “martelando” na cabeça do garoto, que vai justamente atrás do que possibilitaria a permanência da família sem a tristeza instalada no lugar com a ausência do trem.
“[...] o trem ia se afundando na distância, levando consigo o barulho, a fumaça e a alegria dos meninos.” Essa frase, retirada do livro O Grande Mentecapto de Fernando Sabino, aproxima as aventuras e desventuras do personagem principal Geraldo Viramundo à incessante busca de Pedro, protagonista de Paralelos. Certamente o espectador que tenha lido a obra sentiu, logo na cena inicial, a transposição para o cinema da história de Sabino.
Os movimentos da câmera, com muitos travellings, nos dão sempre a sensação de desesperada procura, da tentativa contínua de “ir ao encontro de”; além disso, encontram-se sincronizados com a fotografia, que explora bem a utilização das linhas, conduzindo o nosso olhar sobre para o foco dado pelo olhar do diretor.
A ficção perpassa por inúmeras outras questões existenciais, exemplificadas no momento de encontro de Pedro consigo mesmo – o Pedro-menino versus o Pedro-adulto. Duas vidas e dois tempos sob o mesmo trilho, um mesmo caminho. E consegue mexer violentamente com cada par de olhos que o acompanha, como no momento em que a mãe se dirige ao pai: “Cê tá esperando sabe Deus o quê, homem?”.
Laiz Ariana
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro: história e crítica”)
Memórias e Edições
É a 14a edição do Vitória Cine Vídeo, festival de audiovisual que agita a cidade todo ano.
Me lembro bem de algumas edições.
Lembro do 3o festival, ainda todo realizado no Cine Metrópolis, e que nos apresentou longas e curtas de toda a América do Sul.
Lembro do mini-curso da Bernadette Lyra, e de achar que a qualquer momento ela ia flutuar tamanha a passionalidade no seu discurso sobre a sétima arte.
Lembro de uma amiga contando que sentadinha no chão acabou cochilando durante a exibição do pernambucano Baile Perfumado, e que acordou sobressaltada com a ovação do público e o som do Chico Science.
Da 4a Edição, me lembro do sorriso da Glecy Coutinho apresentando seu curta Eu Sou Buck Jones.
No 6o Festival me lembro do silábico “obrigado” que proferi diante da surpresa do meu texto Escolhas ter sido o escolhido no 2o concurso de Roteiros.
No 10o, a lembrança é da exibição de meu pequeno filho Escolhas, e do som que não estava nada bom.
Da 12o edição me lembro por causa da excelente safra de filmes e vídeos. (também ganhei um prêmio pelo Sal Grosso, vídeo do qual me orgulho muito)
Nessa 14a edição, eu que por motivos pessoais andava afastada desse mundo de imagens, sons, sutilezas e traduções, tenho me lembrado como é bom entrar na sala escura e simplesmente assistir filmes.
Isso é bom.
Ana Murta
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Festival Vitória Cine Vídeo
Dona Gertrudes e os Filmes Pequenos
Mais uma semana de cinema na cidade.
Semana de ecletismo e muita diversidade audiovisual.
Semana de vídeo, de película, de imagens por toda a parte.
Semana de um público ímpar, genuinamente capixaba, e que me enche de orgulho.
Na abertura do festival, segunda-feira, conheci Dona Gertrudes. Do lar, aposentada que todo ano assiste os curtas no Cine Teatro Glória.
Nos esbarramos na fila do banheiro onde ela, assim sem mais nem menos, me confidenciou seu apreço pelos filmes de curta duração.
“Gosto de vir para ver os filmes pequenos. Essa meninada tem cada idéia boa. Chego a gritar com algumas histórias”
Idéia boa é encontrar a senhora numa sala de cinema, Dona Gertrudes.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Mostra de Vídeos lota Metrópolis
Homenagem a Noel Rosa
Começa o Festivalzinho
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